Concebido a partir do projeto O corpo neutro, do artista plástico e fotógrafo Filipe dos Santos Barrocas, a exposição O duro desejo de durar, contemplada pelo edital da II Mostra Programa de Exposições 2017, propõe o gesto do autor em 3 momentos: o primeiro, espacial, a vídeo-instalação projetada em grande escala com a mesma duração do horário diário de abertura do espaço expositivo ao público do Centro Cultural São Paulo; seguido do segundo momento, a moldagem do corpo em gesso dos quatros artistas que no momento seguinte ocuparão a posição de etnógrafos no espaço do centro cultural.
Barrocas abre espaço para outros três artistas (Erika Kobayashi, Mariana Viana e Renato Jacques) a frequentar a maior parte do tempo possível no CCSP durante o período da exposição, assumindo a posição de etnógrafos ao escrever, performar e narrar histórias e experiências vividas neste espaço.
CCSP: Comentem um pouco a trajetória de cada um de vocês até chegar aqui.
Filipe Barrocas: Em dezembro de 2015, defendi meu mestrado em poéticas visuais na ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP) e publiquei um livro com apoio do PROAC da Secretaria do Estado de São Paulo intitulado O corpo neutro. Um livro escrito em diálogo com outros artistas. O que vem se tornando uma marca do meu trabalho.
Mariana Viana: Trabalho com dança, me dedico aos estudos do corpo em movimento. Sinto que a dança é um lugar que me abre caminhos para descobrir coisas e estar no mundo. Também tenho interesse no cruzamento da dança com outras linguagens artísticas. Me movo bastante no campo da escrita e na relação com a cidade.
Renato Jacques: Acho que, antes de tudo, sou poeta e escritor. Mas possuo um projeto de investigação antropológica e o meu primeiro interesse de pesquisa são processos criativos, e foi assim que eu caí na dança. Minha pesquisa começa quando começo a aprender a dançar. E hoje eu pesquiso-danço em alguns contextos da dança de São Paulo. Da observação dos processos eu passei às práticas. E, nesse meio tempo, sempre escrevendo, conheci o Filipe numa oficina de compartilhamento de processos criativos na Oswald de Andrade. Ele me convidou a colaborar no livro O corpo neutro, do qual escrevi um capítulo, e desde então a gente vem trabalhando juntos.
Erika Kobayashi: Além da dança e performance, trabalho com chás e me dedico ao estudo das práticas orientais, que também envolvem o corpo. Comecei a lapidar a ideia de levar performances com chás para as ruas e desenvolver um trabalho de corpo para isso. Me interessa muito a relação com a cidade, o que é que se cria a partir do diálogo entre corpo e a rua, os espaços que ele habita.
CCSP: O trabalho que vocês vão apresentar se divide em três momentos. Os dois primeiros se pautam pela sua experiência individual com a fotografia e a relação corpo e gesso. Como se deu a concepção das criações que integram esses dois momentos?
Filipe Barrocas: O duro desejo de durar é uma citação um livro de Paul Eluard, de 1946, os últimos poemas de amor; e Alan Badiou, Elogio ao amor, fala que o amor tem outro tempo * — Badiou rastreia na filosofia, na arte e na política as linhas de fuga pelas quais o amor se desenha como a instauração, na identidade do indivíduo, de uma diferença pura. Essa foi a base para propor um processo duracional no Centro Cultural São Paulo.
*(O amor, segundo Alain Badiou, além da religião, da reprodução, do estado e da famíla é duração. “Esclarecendo: por duração, não se deve entender que o amor dura, que nos amamos sempre, ou para sempre. É necessário entender que o amor que o amor inventa uma forma diferente de durar ao longo da vida. Que a existência de cada um, pela experiência do amor, confronta-se com uma nova temporalidade. O amor também é, sem dúvida, como diz o poeta, o duro desejo de durar. Mais do que isso, porém, é o desejo de uma duração desconhecida. Porque, como é sabido, o amor é uma reinvenção da vida.” Palavras de Badiou no livro Elogio ao amor.)
A exposição é uma vídeo-instalação e um programa performativo para quatro corpos. Durante os cinco meses que dura a exposição o programa performativo por eles denominado de grupo de estudos reunir-se-á no espaço expositivo todas as sextas das 9h às 17h, horário comercial. Num primeiro momento sem divulgação e para um público que já frequenta o centro cultural e, num momento seguinte, com divulgação de ações específicas.
CCSP: De que forma as noções de permanência e de observação no espaço fundamentam a participação de vocês no trabalho?
Renato Jacques: Acredito que a influência da antropologia em meu trabalho artístico se transferiu também para este processo, a partir da ideia de uma postura etnográfica, o que significa uma vivência prolongada e aprofundada num determinado contexto por meio da qual se tenta produzir e construir entendimentos e leituras daquele lugar, daquele espaço, daquele mundo.
De certa maneira, este programa performativo funcionará assim, ou seja, iremos a campo — o campo, neste caso, é o Centro Cultural São Paulo, com toda a infinitude que isso possa querer dizer, afinal não há a princípio um limite exato para definir o que é o CCSP.
Nesse processo de ir a campo, vamos coletar, produzir, criar dados, conhecimentos, etc. Os resultados disso ainda estão em aberto. A ideia é que, depois do campo, a gente volte para o espaço expositivo para performar nossos achados.
Quando falamos de um processo duracional, isso significa que este espaço estará em constante movimento, em constante devir, digamos. Por exemplo, o Filipe está nos ensinando a moldar em gesso e pode ser que utilizemos dessa técnica para criar esculturas a partir das nossas saídas a campo.
Erika Kobayashi: Da mesma forma que existe abertura em nossas pesquisa e escrita para o acontecimento, isso também invade o programa performativo. É uma estrutura que apresenta diversas ramificações abertas o suficiente para nos afetar e se transformar nessa criação.
Mariana Viana: Quando habitamos um espaço há um encontro entre os corpos que ativa uma mudança em todas as partes — ou uma deformação —, sinto que estar neste espaço por um longo período nos mostrará outras dimensões dele, outras camadas, outras possibilidades de existir e comunicar aqui.
Filipe Barrocas: A existência desse projeto depende dos seus mais variados pontos de vista, das suas perspectivas, cada um enquanto sujeito. Daí a razão pela qual não nos intitulamos como um coletivo. Nós não tivemos uma conclusão única dos nossos encontros, cada um tem o seu e quanto mais melhor.