O duro desejo de durar
por Ana Maria Maia

DO PROJETO: Projeto para exposição individual onde o gesto do autor se divide em três diferentes momentos: o primeiro, a instalação de uma animação fotográfica projetada sobre parede em grande escala com a mesma duração do horário diário de abertura ao público do Centro Cultural São Paulo; o segundo gesto, a transformação do espaço expositivo em atelier de moldagem em gesso aberto ao público duas vezes por semana**, com modelos vivos (os corpos dos artistas que serão convidados); e o terceiro, convidar outros três artistas a frequentarem a maior parte do tempo possível o centro cultural durante a exposição e, à maneira de etnógrafos, escreverem; lerem o livro Elogio ao amor, entrevista de Alain Badiou a Nicolas Truong; e, no último dia da exposição, participarem de uma apresentação no horário e suporte que escolherem.

[…]“Se a antropologia é, desde Malinowski, buscar o ponto de vista nativo, é preciso que o corpo se desloque, que faça uma viagem (toda a experiência é uma viagem e toda a viagem é uma experiência)”. A viagem continua, mas de explorador tenho pouco e de descobridor não quero ter nada. Não é a novidade que me fascina, é a repetição das coisas, a configuração de hábitos, e as diferentes perspectivas que os mesmos acontecimentos podem ter. (FB)

** No desenvolvimento do trabalho, o ateliê presencial foi substituído por uma fotografia de etapas sobrepostas do processo de moldagem de gesso sobre o corpo.


AMM:
 Sempre penso no quão otimista é a promessa de recondução da arte à vida, plantada como projeto pelos conceitualistas desde os anos 1960 e hoje naturalizada como bordão da arte contemporânea. Dizemos “artevida”, de uma vez só, confirmando a alta dose de confiança depositada.  Concordo que a intenção é boa, mas o que ela pode alcançar na prática? Lanço uma pergunta e não sei a resposta. É complicado responder, porque a arte, com todos os seus adjetivos (dissenso, denúncia, beleza, construtividade, transcendência etc. etc.), é muito pouco diante da vida – não a vida das rotinas, dos dogmas, dos padrões que oprimem e que redundam em si mesmo, mas a vida das complexidades, sutilezas e das entregas ao que não se pode controlar nem muito menos representar. Sinto respeito e coragem no ímpeto com que vocês, Filipe, Erika, Mariana e Renato, se propõem a interpelar essas questões. Longe de resolvê-las, investigarão com seus corpos e dedicação de horas, distribuídas ao longo de todo o período da mostra, como existir e aprender na zona de conflito de escalas e temporalidades. Talvez seus gestos permaneçam invisíveis em visitas rápidas ao espaço, mas, contrariando a mitologia, o rolar repetitivo da pedra de Sísifo atesta tudo menos fracasso. […] A continuar.

O duro desejo de durar
por Ana Maria Maia

DO PROJETO: Projeto para exposição individual onde o gesto do autor se divide em três diferentes momentos: o primeiro, a instalação de uma animação fotográfica projetada sobre parede em grande escala com a mesma duração do horário diário de abertura ao público do Centro Cultural São Paulo; o segundo gesto, a transformação do espaço expositivo em atelier de moldagem em gesso aberto ao público duas vezes por semana**, com modelos vivos (os corpos dos artistas que serão convidados); e o terceiro, convidar outros três artistas a frequentarem a maior parte do tempo possível o centro cultural durante a exposição e, à maneira de etnógrafos, escreverem; lerem o livro Elogio ao amor, entrevista de Alain Badiou a Nicolas Truong; e, no último dia da exposição, participarem de uma apresentação no horário e suporte que escolherem.

[…]“Se a antropologia é, desde Malinowski, buscar o ponto de vista nativo, é preciso que o corpo se desloque, que faça uma viagem (toda a experiência é uma viagem e toda a viagem é uma experiência)”. A viagem continua, mas de explorador tenho pouco e de descobridor não quero ter nada. Não é a novidade que me fascina, é a repetição das coisas, a configuração de hábitos, e as diferentes perspectivas que os mesmos acontecimentos podem ter. (FB)

** No desenvolvimento do trabalho, o ateliê presencial foi substituído por uma fotografia de etapas sobrepostas do processo de moldagem de gesso sobre o corpo.


AMM:
 Sempre penso no quão otimista é a promessa de recondução da arte à vida, plantada como projeto pelos conceitualistas desde os anos 1960 e hoje naturalizada como bordão da arte contemporânea. Dizemos “artevida”, de uma vez só, confirmando a alta dose de confiança depositada.  Concordo que a intenção é boa, mas o que ela pode alcançar na prática? Lanço uma pergunta e não sei a resposta. É complicado responder, porque a arte, com todos os seus adjetivos (dissenso, denúncia, beleza, construtividade, transcendência etc. etc.), é muito pouco diante da vida – não a vida das rotinas, dos dogmas, dos padrões que oprimem e que redundam em si mesmo, mas a vida das complexidades, sutilezas e das entregas ao que não se pode controlar nem muito menos representar. Sinto respeito e coragem no ímpeto com que vocês, Filipe, Erika, Mariana e Renato, se propõem a interpelar essas questões. Longe de resolvê-las, investigarão com seus corpos e dedicação de horas, distribuídas ao longo de todo o período da mostra, como existir e aprender na zona de conflito de escalas e temporalidades. Talvez seus gestos permaneçam invisíveis em visitas rápidas ao espaço, mas, contrariando a mitologia, o rolar repetitivo da pedra de Sísifo atesta tudo menos fracasso. […] A continuar.